segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

LAS VENAS ABIERTAS DE AMÉRICA LATINA


La ayuda funciona como el filantropo del cuento, que le había puesto una pata de palo  a su chanchito, pero era porque se lo estaba comendo de a poco.
Eduardo Galeano


Publicado pela primeira vez em 1971, Las Venas Abiertas de América Latina, do uruguaio Eduardo Galeano (n. 1940), mantém-se estranhamente inacessível aos leitores portugueses. Sem nunca ter deixado de ser popular, o livro readquiriu interesse mediático depois de Chávez oferecer um exemplar a Barack Obama em Abril de 2009. Infelizmente, nem esse delicioso gesto provocatório alavancou o interesse dos editores portugueses. Apesar de datada em alguns dos seus conteúdos, trata-se de uma obra fundamental para compreender a história da América Latina e, por consequência, dos países que ali foram impor uma civilização. Da condição de potência exploradora à actual situação de país ocupado pelo Fundo Monetário Internacional, Portugal teria muito a ganhar se os portugueses olhassem para a sua história considerando a perspectiva de Galeano. Ficariam a perceber que apenas em parte foram heróicos conquistadores, tendo, sem dúvida, feito o trabalho sujo do qual outros acabaram por beneficiar. Mas poderiam também entender com outra clarividência as consequências da actual subjugação aos ditames neoliberais. O ataque ao Estado, favorecendo um suposto mercado livre que mais não é do que berço protector de grupos financeiros poderosíssimos, multinacionais imbatíveis e cartéis económicos devidamente protegidos pela disfuncionalidade da lei, não é de agora nem por aqui há-de ficar. Daí que já há mais de 40 anos Eduardo Galeano pudesse concluir: «El FMI y el Banco Mundial ejercen pressiones cada vez más intensas para que los países latinoamericanos remodelen su economía y sus finanzas en función del pago de la deuda externa. El cumplimiento de los compromisos contraídos, clave de la buena conducta internacional, resulta cada vez más difícil y se hace al mismo tiempo más imperioso. La región vive el fenómeno que los economistas llaman la explosión de la deuda. Es el círculo vicioso de la estrangulación: los empréstitos aumentan y las inversiones se suceden y en consecuencia crecen los pagos por amortizaciones, intereses, dividendos y otros servicios; para cumplir com esos pagos se recurre a nuevas inyecciones de capital extranjero, que generan compromisos mayores, y así sucessivamente» (p. 305). Instalada a máquina, repete-se a receita: empobrecem-se as populações para as tornar mais dependentes das empresas que beneficiam com baixos salários, fragiliza-se o Estado e o mercado interno em benefício das multinacionais que assim conseguem condições favoráveis à produção e ao escoamento dos seus produtos. A justiça fica nas mãos de quem a pode pagar. Os fiéis do neoliberalismo bem podem tecer loas ao deus invisível que supostamente regula os mercados. Enquanto rezam ao regulador invisível, os monopólios fazem o seu caminho, os cartéis jogam dumping, a ganância hipoteca o futuro de milhões de seres humanos humilhados e explorados, maná de interesses económicos e financeiros cuja moral é não olharem a meios para obterem os seus fins: lucro. Ora, se há mérito que não pode ser regateado neste livro é o de tornar visível o que aparenta não sê-lo. A chegada dos europeus à América do Sul encarregou-se de mostrar aos indígenas a sua mão invisível, coroas que viviam na opulência, outras que por esbanjarem o que tinham se endividaram junto daqueles a que hoje damos o nome de parceiros estratégicos. Civilizações ancestrais arruinadas, milhões de índios assassinados, escravizados, atirados para o fundo de minas, mostraram a quem quisesse ver a mão invisível da Europa. Mas o ouro, a prata, os diamantes, o açúcar, a borracha, o cacau, o café, o algodão, enfim o petróleo, eram em tal abundância que índios não chegavam. O mercado de escravos, trazidos das áfricas para as américas, prosperou ao mesmo tempo que prosperava o mercado dos recursos naturais açambarcados pela mão invisível. Conquistada a independência, a mecânica da mão invisível não se alterou. O processo é sempre o mesmo, fragilizar o outro para lhe usurpar toda a riqueza. Se eles têm os recursos, nós, que entretanto nos desenvolvemos à custa desses recursos, temos o saber que garantirá o melhor rendimento dos mesmos. O desenvolvimento de uns não é proporcional ao subdesenvolvimento de outros, ergue-se na difusão da dependência e da miséria. Por isso são sempre em abundância os explorados e tão poucos os beneficiados. Os 85 mais ricos do mundo têm tanto como a metade mais pobre, lia-se há dias na imprensa portuguesa. Pela mesma altura, ouvi Rafael Marques contar na televisão a história de uma idosa proveniente de uma aldeia angolana onde os diamantes são o azar que lhes calhou em sorte. Chegada a Portugal, mostrou-se espantada com as estradas, os carros, os prédios arranjados. E perguntou: mas que riquezas tem Portugal? Essa idosa, que nasceu onde os diamantes são como amoras silvestres, não compreendia porque tinha de viver numa palhota quando os portugueses desgraçados vivem em casas com água potável, gás natural, electricidade e meo4o. O mundo é desigual, mas muito mais e injustamente será se formos indiferentes a essa desigualdade. Há não muito, o actual vice-primeiro-ministro de Portugal foi condecorado por Donald Rumsfeld - carrasco da Administração Bush. Aceitou a condecoração, assim como Durão Barroso, actual presidente da Comissão Europeia, então primeiro-ministro de Portugal, aceitou pousar ao lado de Bush na declaração de uma invasão ilegítima. Estes assassinos vão continuando no poder incólumes. Contra todas as expectativas, conseguem fazer as suas carreiras irrevogavelmente satisfeitos, ao mesmo tempo que distribuem cargos por lacaios cujas propostas passam por reduzir a escolaridade obrigatória. A quem serve uma população menos esclarecida, menos preparada, com menor e pior educação?  A quem serve um povo mais dependente e fragilizado? Galeano responde: «Aunque sonrían las estadísticas, se jode la gente. En sistemas organizados al revés, cuando crece la economia también crece, com ella, la injusticia social» (p. 359). Saem a ganhar os que sempre ganharam, os banqueiros e seus prestimosos funcionários distribuídos pelos altos cargos da política internacional.

4 comentários:

Maria Eu disse...

«Aunque sonrían las estadísticas, se jode la gente. En sistemas organizados al revés, cuando crece la economia también crece, com ella, la injusticia social». São as melhores palavras para etiquetar esta escalada a que assistimos, na busca pelo lucro desenfrado na qual pagam milhões em prol de muito poucos.

hmbf disse...

Assim penso.

Soliplass disse...

Este Galeano é uma maravilha, ainda bem que gostaste. É daqueles a quem já não faz falta o Nobel.

Estão disponíveis também em pdf a trilogia Memórias do Fogo (aparecem logo que se busca no google "galeano memorias del fuego pdf")olha esta pérola do vol II a propósito do ano 1701 e do nosso Vieira:(http://www.bsolot.info/wp-content/uploads/2011/02/Galeano_Eduardo-Memoria_del_fuego_II_Las_caras_y_las_mascaras.pdf)


"San Salvador de Bahía

Palabra de América

El padre Antonio Vieira murió al filo del siglo, pero no su voz, que continúa abrigando el desamparo. En tierras del Brasil suenan recientes, siemprevivas, las palabras del misionero de los infelices y los perseguidos.
Una noche, el padre Vieira habló sobre los más antiguos profetas.

Ellos no se equivocaban, dijo, cuando leían el destino en las entrañas de los animales que
sacrificaban. En las entrañas, dijo. En las entrañas, no en la cabeza, porque mejor profeta es el capaz de amor que el capaz de razón. "

Com um abraço da chuvosa Curitiba & etc.,

hmbf disse...

Gracias, amigo.