domingo, 23 de abril de 2017

UM POEMA DE SIMON ORTIZ


UMA ESTÓRIA NOVA

Há alguns anos
estive internado
no hospital dos veteranos do exército
em Forte Lyons, no Colorado.
Entregaram-me um recado para ligar a certa mulher.
Liguei-lhe.
Ouvia-a dizer:
«Ando à procura de um índio.
Você é índio?»
«Sou», respondi.
«Óptimo», disse ela.
«Vou explicar-lhe por que ando à procura
de um índio».
Assim fez.
«Todos os anos organizamos um desfile
na cidade, um Desfile do Dia da Fronteira.
É algo de estimulante e de grande relevância,
com muita gente a querer participar».
«Sim», disse eu.
«Sabe», prosseguiu ela, «o nosso tema
é a Fronteira,
e esforçamo-nos para dar o nosso melhor.
No passado, era costume fazermos
índios de papel machê,
mas isso foi há muitos anos.
«Sim», disse eu.
«Mais recentemente
conseguimos que algumas pessoas
se vestissem de índios
para dar um toque de maior autenticidade,
pessoas de carne e osso, percebe?»
«Sim», disse eu.
«Sabe», continuou ela,
«isso não nos pareceu lá muito bem,
mas surgiu um problema.
Havia falta de índios».
«Sim», disse eu.
«Este ano quisemos fazer tudo a preceito.
Corremos ceca e meca à procura
de índios, mas não conseguimos
encontrar nenhum nesta zona do Colorado».
«Sim», disse eu.
«Queremos tornar a coisa mais real, percebe,
pôr um índio a sério num carro alegórico,
não apenas um boneco de papel machê
ou um anglo vestido de índio,
mas um índio verdadeiro com penas e pinturas.
Talvez mesmo um homem-medicina».
«Sim», disse eu.
«Foi então que soubemos que estava um índio
no hospital do exército.
Ficámos tão contentes», disse ela cheia de alegria.
«Sim», disse eu,
«estão aqui vários».
«Que bom», disse ela.

Na passada Primavera
recebi outra mensagem
na faculdade onde leccionava.
Liguei à senhora.
Ficou tão feliz
que lhe devolvi a chamada.
Explicou-me então
que Sir Francis Drake,
o pirata inglês
(palavras minhas, não dela)
ia novamente atracar na costa
da Califórnia em Junho.
E continuou dizendo
que andava à procura de índios...
«Não», disse eu. Não.


Simon J. Ortiz (n. 27 de Maio de 1941, Albuquerque, Novo México, EUA), in Flauta de Luz, trad, Júlio Henriques, n.º 4, Abril de 2017, p. 51. Simon J. Ortiz nasceu «no seio da comunidade Pueblo Acoma. Quando acabou o liceu, foi trabalhar para a Kerr-McGee, uma indústria mineira de extracção de urânio. Essa experiência haveria de inspirar uma das suas mais importantes obras: Fight Back: For the Sake of the People, For the Sake of the Land». Mais informações no sítio Poetry Foundation. Entre os vários vídeos disponíveis no YouTube, sugiro esta entrevista:

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