sexta-feira, 16 de fevereiro de 2018

VEDAÇÕES


Aproveitei dois deprimentes dias folga para me afundar no sofá a ver filmes. Entre o Centurião (2010), que me apeteceu ver por causa de Michael Fassbender, e o intragável Ben-Hur (2016) de um tal Timur Bekmambetov, passando por Killing Season – Temporada de Caça (2013), com Robert De Niro e John Travolta à pancada, foi muito o sangue, muita a carne decepada, muitos os corpos mutilados que me passaram pela frente. Safou-se Fences/Vedações (2016), dirigido e interpretado por Denzel Washington, com argumento baseado num drama de August Wilson. Vê-se como quem assiste a uma peça de teatro. E não fossem os tiques exagerados de Washington, tanto na representação como na encenação melodramática do remate, teríamos um filme para mais tarde recordar. Ainda assim, Troy Maxson é uma personagem marcante. Carrega a cruz doméstica justificando-se com um passado que poderia ter-lhe reservado presente bem pior, não fosse a mulher que o conservou e cristalizou na decência da família. Que a tenha traído para se sentir ele próprio, pode não ser aceitável à luz de uma moral castradora a que nos conformamos facilmente. Mas é, pelo menos, compreensível no pântano de frustrações que é a sua vida. É como se a infidelidade lhe tivesse aberto uma janela de liberdade, permitindo-lhe respirar para lá do sufoco quotidiano, monótono, rotineiro, forçado pelas regras da dignidade. Gosto de personagens desviantes, sobretudo quando acabam sós. É o preço a pagar, naturalmente, pelo encontro com uma liberdade ao que parece inconciliável com a vida doméstica. Sem ter sangue nem corpos esventrados, Fences também tem os seus efeitos especiais. E não me refiro ao céu que no final é rasgado pelo sopro do anjo Gabriel, irmão de Troy. Penso, antes, na consciência mutilada pelas circunstâncias de cada uma das personagens, no passado que os esventra obstruindo-lhes o futuro sonhado, desejado, ambicionado. Pior que cumprir uma pena em clausura, só mesmo sentir-se preso sem crime cometido.

Sem comentários: